quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

ASSIM DISSERAM ELES ...

"Na boca de quem não presta, quem é bom não tem valia. Nunca: segundo prato, tira o gosto do primeiro. Porque, quando o rico geme, o pobre é que sente a dor".

João Martins de Ataíde, poeta popular

A SAGA DA LIBERDADE - O GRITO DA COR NEGRA

Dedicado a Dona Militana (São Gonçalo do Amarante-RN)
 

O negro não aceitou
Existir em cativeiro
E em tudo que pensava
Havia sempre roteiro
De fugir daquela vida
Era seu sonho primeiro.

Nas cidades ou fazendas
Não se davam compaixão
Cavalos valiam mais
Que qualquer negro então
E ainda espalhavam:
“Eles não tem alma não!”

Ferramentas de tortura
Naquela pele escura
Registraram a história
Escrita com amargura
Pintada no corpo negro
A moldura da bravura.


Os tambores que tocavam
Emitiam sons de dor
Que clamavam das senzalas
Um grito que tinha cor
E no batuque noturno
O negro se via senhor!

Pelourinho foi altar
Que as lágrimas ungiu
Nascidas nas almas  negras
Que  as dores exprimiu
E tinha também o tronco
Que a muitos afligiu.

Capataz tinha  nas mãos
Instrumento bacalhau
Chicote de couro cru
Cinco tranças sem igual
Que rasgava pele preta
De forma tão crucial.
 
O negro para fugir
Sabia o que enfrentava
Se fosse capturado
Seu corpo agonizava
Usando a gargalheira
Coleira que  maltratava.

Os negros trabalhavam
Quinze horas cada dia
Em jornada tão pesada
Pensavam em alforria
E o banzo era forte
Na vida em agonia.

Naquele tempo surgiu
Redutos de resistência
Quilombos que acolhiam
Fugidos da dependência
Os que unidos buscavam
Construir a consciência.

No Brasil colonial
Quilombos em toda parte

Ameaçavam a paz
Vivida nos baluartes
E os homens do poder
Deram mãos ao bacamarte.

Os quilombos existiam
Em diversas regiões
Pernambuco, Alagoas,
Sergipe e extensões
 Na Bahia tinham vários
Lutando contra barões.

Esta luta deu origem
A uma nova profissão
O caçador de escravos
Chamado de Capitão
Que ganhava por cabeça
Devolvida ao “patrão”.




Os escravos que fugiam
Tinham todos a razão
Pois viviam num inferno
Transbordando aflição,
Eram eles as muletas
Do Império sem ação.

E o grito da cor negra
Ecoou pelo Brasil
Lá na serra da Barriga
A “Troia Negra” surgiu
Eram quase duas mil casas
Com o sangue varonil.

República dos Palmares
Ficou sendo o lugar
Com trinta mil habitantes
Dispostos a pelejar
Liderados por Zumbi
A história faz narrar.
 
Foi o maior dos quilombos
Que o Brasil conheceu
Nas seis décadas de vida
A liberdade nasceu
Com a luta dos Palmares
Colônia estremeceu.

Mandaram seis mil soldados
Acabar com a nação
Que em terra nordestina
Nos deixou grande lição:
Sem  sangue a derramar
Não brota a libertação.

E em vinte de novembro
De um ano destrutível
O Domingos Jorge Velho
Fez um ato  desprezível
Degolando Rei Zumbi
O herói inesquecível.
 
Esse grito foi maior
Atingiu o infinito
Causando grande tumulto
Atiçando o conflito
Já não era mais possível
Negar o que foi escrito.

Outros homens se uniram
Neste grande ideal
Os abolicionistas
De espírito colossal
Que travaram com palavras
A mudança social.

Os nomes vamos lembrar
E também  assinalar
Que sem o Joaquim Nabuco
Grande orador sem par
Sem José do Patrocínio
Que imprensa fez usar.

Luiz Gama, Rui Barbosa
Todo mundo a lutar
Foi possível ver o sonho
Então se realizar
Só restando à Princesa
A  Lei Áurea assinar

Houve festa na nação
Por tão grande decisão
Estaria o negro livre?
Cantaria uma canção?
Acabou o sofrimento?
Ou foi tudo ilusão?

A escravidão deixou
A semente do racismo
Que nos séculos seguintes
Deu a luz a um abismo
Fazendo acepção
Com a cor do egoísmo.

Fim


Informações catalográficas
Título: A Saga da Liberdade – O grito da cor negra
Autor: Mané Beradeiro
Data: 27 de janeiro de 2015
Capa: http://napolitica.com/popup.php?/noticias/fotos/img/escravatura.jpg
Métrica:  Estrofes em sextilha, com 7 sílabas poéticas
Rima: xaxaxa
Marcadores: História do Brasil, escravidão, liberdade, miscigenação, quilombos, Zumbi, abolocionismo.


Glossário
Bacalhau: chicote feito de couro para castigar
Banzo:  grande saudade da África
Capitão-de-Mato : Aquele que vivia nas matas procurando escravos fugitivos
Domingos Jorge Velho:   Bandeirante, invadiu e destruiu Palmares em 1692
Gargalheira: coleira de ferro que eram postas nos escravos capturados
Muletas:  “a escravidão era uma das muletas da monarquia” Austricliano de Carvalho
Pelourinho: Poste fincado numa praça no qual os escravos apanhavam
Quilombos: Comunidades de negros ( e índios) que fugiam da escravidão
Tronco: Instrumento de tortura que prendiam os pés e as mãos dos escravos
Troia Negra:  A República dos Palmares, na expressão de Oliveira Martins.
Zumbi: O maior líder dos Palmares foi assassinado em 20 de novembro de 1695.

Referências
LUNA, Luiz. O negro na luta contra a escravidão. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Cátedra de Brasília, 1976.